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domingo, 27 de dezembro de 2009

Os Mestres Loucos(1955), de Jean Rouch

Os Mestres Loucos, com o nome original Les Maîtres Fous, é um documentário do realizador francês Jean Rouch, de 1955. Jean Rouch foi professor catedrático das universidades de Paris Panthéon-Sorbonne e Nanterre, ex-presidente da Cinemateca Francesa, e secretário geral do Filme Etnográfico no Musée de l’Homme, em Paris; tornando-se uma figura incontornável na história do documentarismo por ser considerado o pai do cinema-verdade.

parte 1 -

parte 2 -

parte 3 -

O documentário, filmado com os intérpretes em apenas um dia, foi postumamente produzido em França pelo realizador e por Les Filmes de la Pléiade. Foi filmado com uma camara de 16mm, ficando com a duração de cerca de 30 minutos, e com a imagem a preto e branco.


Jean Rouch é o narrador, em voz-over. Faz a ligação entre o enredo e o espectador, que não tem bases de conhecimento para entender tal cultura diferente, tendo uma função mediadora. O seu discurso é leve, popular, e até um pouco cómico, adaptado à linguagem do público alvo, ou seja, da sociedade dos países mais desenvolvidos, na Europa ou na América. Este, como antropólogo, inseriu-se na comunidade estudada, quebrando a tradição de superioridade a que se assistia anteriormente.


O espectador é transportado para a cidade de Accra, na Nigéria, onde são demonstradas as práticas religiosas da importante cerimónia anual do culto Hauka.
Mestres Loucos inicia-se com a apresentação das pessoas, como se fossem personagens de um filme, ou personagens-tipo que subentendem a dominação colonial a que se assistia na época, na região. As pessoas retratadas são personificações do policia, do governador, do doutor, do general, da esposa do capitão, do condutor de transporte de passageiros, entre outros, com alcunhas americanizadas.
A cerimónia tem início após uma confissão do padre Mountbyéba, e, após a ingestão de algumas substâncias naturais que não têm qualquer referência explícita no discurso de Jean Rouch, dá-se uma onda geral de possessão.
O ritual contém imagens obscenas e incómodas, parte de uma arte feia, que incluem o sacrifício de um cão, os possuídos a espumar saliva e a tremer constantemente, respirações ofegantes e movimentos desengonçados.
No final Jean Rouch deixa o espectador a reflectir no modo em que vive, mostrando as faces alegres dos trabalhadores nigerianos na sua vida quotidiana, acabando por referir os remédios que a nossa civilização ocidental ainda desconhece.

As bem concebidas montagem e sonorização fizeram-se através da aliação das imagens vistas por uma perspectiva brutal e das construcções acabadas e inacabadas.


Este é um bom exemplo do conceito de cinema-verdade, explorado pelo realizador. Os representados participaram activamente na realização e produção do filme, pois o argumento foi feito tanto por Jean Rouch, pois o antropólogo deve interagir, como pelos representados, pois neste conceito também está patente a ideia de que se as pessoas participarem no filme este tornar-se-á mais produtivo.


E demonstra uma outra face da realidade, que só foi possível captar devido à proximidade do realizador com o povo retratado e ao trabalho de pesquisa prévia; para a Antropologia a imagem deste documentário é verdade porque se os representados se quiseram mostrar de determinada maneira perante a camara, a faceta que mostram é real.
Neste exemplo compreende-se que não há neutralidade, porque a imagem é compreendida através de um ponto de vista pessoal, direccionada pelo realizador e pelos representados.


Pessoalmente, aconselho a visualização das 3 partes do documentário a quem ainda não o viu, porque o contraste entre as imagens violentas e o discurso jocoso está demais, e oferece uma refrescante perspectiva de documentário.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Extracto do ABC dos Kinoks

(extracto de Entusiasmo, de Dziga Vertov. música: The Tiny, Everything Is Free)


No Extracto do ABC dos Kinoks estão sintetizados os métodos de montagem, e os conceitos de Cine-Olho e Rádio-Olho.



A montagem é definida como organização das filmagens sem desvios teatrais, como a escolha de cenas, ou desvios literários, como a utilização de legendas. É considerado que o filme está em montagem ininterrupta, desde a escolha do tema até à edição definitiva.



A montagem é dividida em três fases.


- Primeiro inventariara-se todos os dados documentais que tenham alguma relação com o tema; para se revelar o plano temático.


- Seguidamente, trata-se do plano de filmagem, que é o resultado da selecção e triagem das observações humanas.


- Finalmente faz-se a montagem final que é o resumo das observações inscritas na película pelo Cine-Olho; obtido através da associação das filmagens do mesmo tipo e do seu encadeamento rítmico e visual.



O Cine-Olho está definido como montagem na escolha do tema, nas observações feitas para o tema, e no estabelecimento da ordem de sucessão do material filmado.



A progressão de imagens é uma unidade complexa, formada pela correlação de planos, enquadramentos, movimentos no interior das imagens, luzes, sombras, e velocidades de imagens. Desta maneira, o autor determina a ordem de alternância ou sequência das filmagens, e o comprimento de cada alternância.



O Rádio-Olho foi definido pelos rarioks como um cinema sonoro não encenado.



Em suma, O décimo primeiro ano(1928), ou O homem com a câmara(1929) foram feitos como filmes visíveis e audíveis, e são bons exemplos do tipo de cinema defendido pelos kinoks.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Documentarismo do Cinema - Uma reflexão sobre o filme Documentário


O Documentarismo do Cinema.


Uma reflexão sobre o filme Documentário.



Manuela Penafria


Universidade da Beira Interior.



Nota introdutória.


Neste texto faz-se referência à importância de uma nota introdutória para mencionar o objecto de estudo: neste caso o filme documentário mas, também, para apresentar a hipótese geral de trabalho, hipótese que submetemos a uma problematização que se apoia na Teoria do Cinema e na História do filme documentário e a uma problematização que se confronta com a praxis documental.


A hipótese geral de trabalho propõe o termo de Documentarismo para designar diferentes modos de ver o mundo através do cinema e no cinema. Neste, sentido, o Documentarismo pressupõe uma proximidade entre o filme de documentário e o filme de ficção, da dificuldade em distinguir o registo ficcional do registo documental, e de libertar o documentário do peso que sobre ele recai de re-presentar ou ter por dever re-presentar a “ realidade tal qual.”


Na abordagem desta hipótese este estudo divide-se em dois momentos. No primeiro procede-se e uma contextualização do objecto de estudo, no segundo de uma re-contextualização onde o termo Documentarismo será apresentado e desenvolvido através da filmografia de António Campos, realizador e documentarista português.


Contextualizar


O termo documentário arrasta consigo um peso. A obrigação de “representar a realidade”, o cumprimento ou não dessa obrigação gera grande parte da discussão que rodeia o documentário. Pois a ficção é uma aliada e está presente na defesa de um cinema de efectivo trabalho de realização cinematográfica e já o passado histórico tem sido fonte de inspiração para alimentar polémicas.


Nos anos 30, o movimento documentarista britânico introduziu um tom sério e responsável ao documentário e os movimentos de cinema realista dos anos 60 celebraram o registo do acaso e do espontâneo como garantia de um contacto íntimo e imediato com o “ real”.


A reflexão deste texto centra-se na filmografia de António Campos, com o objectivo de averiguar o lugar aí reservado ao filme documentário. Não se trata de defini-lo, mas de investigar os modos possíveis de pensar o documentário.


Re-contextualizar


A filmografia de António Campos situa-se entre 1957 e 1993 é diversificada, apresenta


documentários, filmes institucionais, sobre Arte ou ficção adaptada de obras literárias.


Há, no entanto uma coerência temática e formal, antes e depois de um acontecimento, o 25 de Abril de 1974, que serviu de marco e oportunidade para uma mudança de discurso. Destacando-se uma filmografia suportada por uma ideia de cinema muito precisa, a de que o cinema tem uma missão tão importante quanto urgente a cumprir: filmar o presente.


Esta é a missão que António Campos se empenhou. O cinema é assim chamado a colaborar numa representação do presente impedindo que o mesmo se transforme num passado opaco.


“Filmar o presente” pode-se dividir em 3 pontos:


- Em primeiro lugar, um registo in loco. O realizador deslocou-se ao local. Os seus filmes são o resultado de experiências vividas com pessoas concretas em situações concretas. Por exemplo, no caso de Terra Fria, filme adaptado do romance de Ferreira de Castro, a rodagem decorreu em Padornelos, a mesma aldeia em que o escritor escreveu e situou o seu romance.


- Em segundo lugar a actualização dos temas destacando-se dois filmes: A Invenção do Amor e Vilarinho das Furnas. A invenção do Amor, um filme adaptado do poema homónimo de Daniel Filipe, é uma metáfora à perseguição vivida antes do 25 de Abril de 1974. Por seu lado Vilarinho das Furnas, trata do drama de uma aldeia minhota que foi submersa pelas águas de uma barragem e onde o cineasta registou os gestos de uma vivencia em comunidade.


- Em terceiro lugar para nos referirmos aos intervenientes. António Campos aproximou-se do povo e solidário com os seus problemas, a sua filmografia encontra-se enraizada na vida dura do povo português, mas essa filmografia caracteriza-se, por prestar homenagem às mulheres capazes de executar trabalhos pesados e também às crianças.


Há outro aspecto muito importante que diz respeito ao seu estilo cinematográfico, já que foi no cinema que António Campos encontrou o meio mais adequado para divulgar a originalidade do povo português. È o realizador da planificação cuidada e amadurecida, que lhe permite não recorrer `reconstrução dos acontecimentos e que prevê a inclusão de gestos espontâneos de personagens encarnadas por actores não profissionais, por actores profissionais. A sua câmara está próximo daqueles que filma. O que nos seus filmes se pressente é que por detrás da câmara há uma força humana que a movimenta e enquadra pessoas e acontecimentos em cenários naturais.


A montagem é uma actividade que o realizador trabalha “ corpo a corpo” com o material rodado, àquilo que se chama raccord por analogia, ou seja, uma ligação entre os planos que mantém o equilíbrio de composição e de enquadramento, de um plano para o plano seguinte. Pretendendo tocar tanto o espectador do presente, aquele que é colocado perante acontecimentos que estão a decorrer, como o espectador futuro, aquele que poderá olhar para o passado através dos seus filmes.


Outro aspecto importante é a riqueza de conteúdo. O trabalho de adaptação de um romance é também um trabalho de transformação. O cinema é entendido como uma Arte contemporânea de outras Artes e que possui os seus próprios recursos.


No seu percurso, não participa dos movimentos e movimentações do cinema português. É um percurso mais solitário, seja por dificuldades económica ou por dificuldades de diálogo. A sua actuação é mais pessoal porque é ele o operador e montador dos seus filmes è, também, mais íntima porque estabelece um contacto muito próximo com os intervenientes dos seus filmes mas também com os espectadores.


A exibição dos seus filmes foi através dos cineclubes, das colectividades, das associações, das escolas ou dos festivais de cinema, quase sempre na presença do próprio realizador.


O Documentarismo não é já e apenas uma praxis de carácter estritamente documental, mas passa a dizer respeito a uma ligação ao mundo através do cinema. Neste sentido uma das principais tarefas do Documentarismo é trabalhar não apenas os modos de “ representação da realidade” presentes no documentário, mas interessar-se pelos modos de “ representação da realidade “ antes, durante e depois da institucionalização do documentário enquanto género o que decorreu nos anos 30, com o movimento documentarista britânico.


Assumindo a perspectiva do Documentarismo em António Campos, podemos afirmar que os seus planos documentais são aqueles que concorrem para o modo de ver o mundo que está presente no cinema. Ou seja o aspecto já mencionado atrás, não apenas as suas escolhas cinematográficas mas também as suas escolhas temáticas, que permitem ao espectador, estabelecer uma ligação ao mundo através do seu cinema.


Podemos concluir que a sua filmografia é composta por filmes que remetem para um modo de dar a ver o mundo destacando que é no cinema e pelo cinema que se traça o nosso pensar, sentir e agir.