terça-feira, 12 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO PARTE II

Eduardo Hirtz, um alemão que se mudou para Porto Alegre ainda garoto, é considerado o pai do cinema gaúcho, tendo produzido de 1907 a 1915 uma série de filmes documentários. Ele também produziu filmes de outros realizadores como A TRAJÉDIA DA RUA DAS ANDRADAS (1911) do fotógrafo italiano Guido Panelo. O filme trata de um assalto realizado numa casa lotérica das Rua das Andradas, que culminou com o assassinato de seu proprietário. Guido filmou tudo, inclusive a perseguição e morte dos quatro assaltantes. O filme atraiu multidões durante semanas.Hirtz queimou seus filmes em 1915, com exceção de “Recreio Juvenil”. O motivo foi sua irritação com a perda de uma concorrência.Também em 1907, no Paraná, Annibal Rocha Requião, realiza seu primeiro “natural” filmando o desfile militar de 15 de novembro. Ele era proprietário da Sala Smart de Cinema, inaugurada em 1908.O ano de 1909 foi o mais produtivo para Requião, quando produziu dezoito filmes. Mas a partir de 1912 sua produção começou a decair sensivelmente. Documentou a vida social de Curitiba – atos públicos, festas oficiais, reuniões e divertimentos da “sociedade chique” e também o interior do estado. Suas qualidades técnicas eram ressaltadas pelos jornais com comparações as mais nítidas fitas estrangeiras da Pathé Frères e seu grande reconhecimento foi o sucesso do filme DA SERRINHA AOS PRIMEIROS SALTOS DO IGUAÇU de 1910.Houve também a contribuição da produção bahiana ao nascente do cinema brasileiro. Rubens Pinheiro Guimarães é considerado o homem forte do cinema bahiano na época, sendo exibidor e distribuidor de filmes nacionais. Por volta do ano de 1911, ele se associa aos documentaristas Diomedes Gramacho e José Dias da Costa, que vinham se dedicando a documentar a Bahia, suas tradições e festas populares, assim como a capital e suas transformações urbanísticas.Em Belém, o espanhol Ramón de Baños se dedica, a partir de 1909, à produção de documentários através da Pará Filmes, passando no ano de 1912 a realizar cine-jornais feitos quinzenalmente. A filha de Baños, Dona Nieves, é citada por Roberto Moura quando destaca um dessesOs elementos “naturais” rodado em 1912 chamado OS SUCESSOS DE 29 DE AGOSTO, sobre dias fatídicos na história da cidade, com a queda de seu prefeito o “velho” Antônio Lemos, responsável pela reforma de Belém, a fim de transformá-la aos padrões de uma cidade moderna.A Pará Filmes também produziu outros filmes que completaram a série O DOUTOR LAURO SODRÉ E OS ACONTECIMENTOS NO PARÁ, dividido em três partes: EMBARQUE DO DR. LAURO, CHEGADA NO PARÁ e o já citado O SUCESSO DE 29 DE AGOSTO. Juntos eram um longa metragem.Na Manaus do início do século, Silvino Simões dos Santos e Silva(1886-1970), ou Silvino dos Santos, como era chamado, realizou entre 1913 e 1930, 9 filmes de longa metragem, 57 de curta e média metragem e fez duas mil fotos da Amazônia, deixando um dos mais importantes acervos de imagens históricas da região. Aprendendo a profissão de fotógrafo e tendo prestado serviços para os grandes proprietários de terras da região, Silvino teve financiada uma viagem para Paris, pelo fazendeiro Júlio César Arana, onde aprendeu as técnicas cinematográficas nos estúdios da Pathé-Frères e nos laboratórios dos irmãos Lumiere. De volta ao Brasil, de posse de uma câmera Pathé e 2.000 metros de filme virgem, ele dá inicio em 1913 as filmagens de ÍNDIOS WITOTOS DO RIO PUTAMAYO, finalizado três anos depois e seu primeiro longa metragem. As populações indígenas serão personagens constantes da obra de Silvino.Durante praticamente toda sua vida, Silvino documentou a região amazônica a serviço de coronéis fazendeiros. Realizou diversos filmes encomendados como NO RASTRO DO ELDORADO, de 1924, AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO, 1920, NO PAÍS DAS AMAZONAS, 1922, entre muitos outros.Estes filmes foram utilizados como propaganda e promoção dos grandes comerciantes amazônicos, principalmente da borracha. Mas, isso não tira o valor dos filmes de Silvino. Pelo contrário, são exemplos de sofisticação técnica para a época e de experimentação lingüística. Ele foi pioneiro de algumas formas de trucagens como montar seqüências de trás para frente ou decupar as tomadas em vários ângulos e enquadramentos diferentes. Além disso, os filmes de Silvino foram exibidos pelo país e também muito no exterior, alguns chegando a ser sucesso de público.Outro pioneiro documentarista que realizou sua obra por intermédio de registros de expedições é o major Luís Tomás Reis, que a cargo do Serviço de Fotografia e Cinematografia da Comissão de Linhas Telegráficas, documenta durante a década de 10 e 20 peculiaridades do interior do Brasil voltando-se também para o registro de populações indígenas. Seu principal filme foi OS SERTÕES DE MATO GROSSO, de 1916, que ele próprio exibiu por salas em todo Brasil. Neste momento da primeira grave crise da produção nacional, os “naturais” foram responsáveis pela continuidade das filmagens em território nacional, mas também eram duramente atacados pela crítica da época. Um dos palcos de discussão da nascente cinematografia brasileira foi o semanário ilustrado Para Todos..., revista cultural surgida em 1919 e dirigida por Álvaro Moreira e Mário Behring. Seis meses depois do lançamento do semanário, este já possuía uma rubrica especial sobre cinema. Com o sucesso durante alguns anos deste suplemento sobre cinema, e sendo Mário Behring o redator cinematográfico, em 1926 surge Cinearte. Behring torna-se então um defensor dos “naturais” nacionais como uma forma de crítica a hegemonia do cinema estrangeiro no Brasil de então.Dentre os filmes comentados e elogiados por Behring em Cinearte estão: Nos Sertões do AVANHANDAVA, de Armando Pamplona, DÊEM ASAS PARA O BRASIL e O BRASIL GRANDIOSO, de Alberto Botelho e O PAÍS DAS AMAZONAS ,de Silvino dos Santos, todos da década de 20.O cineasta, nascido em Volta Redonda, em Minas Gerais, se mudou aos treze anos para Cataguases e fez desta cidade um dos maiores focos da nascente do cinema brasileiro. De caráter investigativo, Humberto, era ator amador desde 1914, estudava mecânica e era pioneiro em radioamadorismo. Sua primeira câmera foi uma Pathé-Baby de 9,5 mm de bitola, e com ela fez seu primeiro filme de curta metragem, VALADIÃO, O CRATERA (1925), associado a Pedro Comello, um italiano que com ele iniciou o Ciclo de Cataguases [12] . Aperfeiçoa-se fazendo pequenas filmagens e em 1926 parte para filmes de ficção assinando NA PRIMAVERA DA VIDA, seguido de TESOURO PERDIDO (1928), BRASA DORMIDA (1929), SANGUE GUERREIRO (1930) e LÁBIOS SEM BEIJOS, de 1931. Em 1933, Humberto Mauro realizou seu primeiro filme falado para a Cinédia, o semi-documentário CARNAVAL CANTADO NO RIO, e dirigiu GANGA BRUTA , para muitos seu primeiro grande filme. Realizou também A VOZ DO CARNAVAL, outro semi-documentário de longa-metragem.No filme FAVELA DOS MEUS AMORES, de 1935, Mauro une imagens reais filmadas na favela, com ficcionais e, segundo André Felippe Mauro , este foi um dos primeiros filmes neo-realistas feitos no mundo. O ano de 1936 marcou uma guinada na carreira de Humberto Mauro, a pedido do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, o professor Edgar Roquete Pinto cria o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). Para levar adiante este projeto Roquete Pinto convida Humberto Mauro para fazer parte deste projeto. Com a estabilidade trazida pelo instituto, Mauro deu início a uma de suas fazes mais produtivas com a produção de documentários educativos e culturais, além de estrear o longa metragem CIDADE MULHER e de fazer a fotografia do filme GRITO DA MOCIDADE. Realiza para o INCE um total de 28 documentários, entre os quais LIÇÃO PRÁTICA DE TAXIDERMIA, UM PARAFUSO, DIA DA BANDEIRA DE 36.Dois filmes documentários de curta-metragem , VITÓRIA RÉGIA e CÉU DO BRASIL, realizados em 1937, fizeram de Humberto Mauro o primeiro cineasta brasileiro a participar oficialmente de um festival de cinema no exterior, sendo apresentados na mostra oficial do Festival de Veneza. O filme O DESCOBRIMENTO DO BRASIL, 1937, também foi exibido em uma mostra paralela.Com técnica única trazida do cinema ficcional, Humberto consegue tornar seus documentários divertidos e interessantes e produz mais 28 documentários por ano, em 38 e 39. Após terminar o filme ARGILA (1940), Mauro passa um grande período sem realizar longas metragens , produzindo então um grande número de filmes educativos curtos, com funções didáticas, entre os quais clássicos como , CARRO DE BOIS, MEUS OITO ANOS, JOÃO DE BARRO, A VELHA A FIAR, HIGIENE DOMÉSTICA, além da série AS BRASILIANAS, sobre músicas folclóricas, talvez os primeiros “clips” musicais produzidos no Brasil. Realizou de 1940 até 1964, aproximadamente 95 documentários educativos. Neste período realizou também apenas um longa-metragem, O CANTO DA SAUDADE, de 1952.Na apresentação de sua Filmografia do Cinema Brasileiro: 1900-1935: jornal O Estado de São Paulo, Jean Claude Bernadet destaca que o estudo da história do cinema brasileiro, em suas primeiras décadas, deve partir não do longa-metragem de ficção – que “é o sonho, a vontade, o ‘verdadeiro’ cinema, mas exceção” – e sim dos documentários de curta-metragem e dos jornais cinematográficos, “pois é este tipo de cinema que durante décadas foi o sustentáculo da produção e comercialização de filmes brasileiros”.O levantamento de Bernadet indica, igualmente, que nada menos que 51 jornais cinematográficos brasileiros apareceram nas telas paulistas neste período. Essa tendência dominada pela produção de documentários e cineatualidades, ainda prossegue durante as décadas de 1930 e 1940. A exibição dos documetários nacionais assegura a subsistência de cinegrafistas e laboratórios, bem como um mínimo de continuidade cinematográfica em vários pontos do país.Gilberto Rossi, dono da ROSSI REX FILME, realiza entre 1934 e 1936 pelo menos quinze números de A VOZ DO BRASIL. Além disso, entre os anos de 1937 e 1940, 30 números de ATUALIDADES ROSSI REX são projetadas nas melhores salas da capital paulista. Muitos outros cinejornais são produzidos em São Paulo. Destacamos ATIVIDADES ESCOLARES, produção da Vitória Filmes, com quatro números em 1945; ATUALIDADES BRASILEIRAS, produção da Rossi Rex Filmes, com três números entre 1942 e 1946; ATUALIDADES CINEAC, produção da Campos Filme, com 35 números entre 1941 e 1942; REPORTAGEM CINEMATOGRÁFICA, produção de William Gerick e da Cia. Americana de Filmes S.A., com cerca de 12 números entre 1940 e 1941.No período do Estado Novo (1937-1945), o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e os DEIPs (Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda) acabam por dominar a produção de jornais cinematográficos, eliminando os concorrentes e levando ao desaparecimento a maioria das produtoras independentes. A propaganda (governamental ou privada) era a base de sustentação dos filmes documentais.Muitos cine-jornais foram produzidos através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e dos DEIPs (Departamentos Estaduais de Informações e Propaganda). São exemplos destes institucionais governamentais o DEIP DOCUMENTÁRIO, com 46 números editados entre 1942 e 1946; o DEIP JORNAL, com aproximadamente 100 números entre 1941 e 1945; o DEIP JORNAL SUPLEMENTO, com quatro cinejornais nos anos de 1944 e 1945; o DOCUMENTÁRIO DEI, com oito cinejornais no ano de 1945; o JORNAL CINEMATOGRÁFICO, com 35 edições entre 1945 e 1946. Esses cine-jornais não gozavam de muita simpatia da crítica e eram alvo constante das vaias dos espectadores.São Paulo - Sinfonia da Metrópole. Este documentário, realizado em 1929 é, do ponto de vista da técnica cinematográfica, uma das obras mais significativas deste período. Suas filmagens se estenderam por um ano e mostram uma preocupação estética nos enquadramentos, movimentos de câmera e escolha da luz, rara na época. Seus realizadores, Rodolfo Rex Lustig e Adalberto Kemeny, eram húngaros e já faziam cinema desde os 17 anos de idade. Depois da primeira guerra foram para Berlim trabalhar em estúdios cinematográficos alemães. Em 1922, Rodolfo veio sozinho para o Brasil e em 1926, já diretor técnico da Independência Filmes em São Paulo, de Armando Pamplona, mandou buscar Adalberto na Alemanha. Em 1928 compraram o prédio e o acervo da produtora e fundaram a Rex Filmes.São Paulo, Sinfonia da Metrópole, apesar de realizado por imigrantes, sofre de um incurável mal brasileiro. O não saber dizer sem gritar. O jornalismo brasileiro faz isso desde o século passado. O cinema seguiu-o. Todo o documentário, particular ou governamental é escancaradamente laudatório. [19]É evidente o espírito oficial do filme, acompanhando cerimônias militares, filmando prédios de Secretarias de Estado, um travelling da Av. Brigadeiro Luiz Antônio para mostrar o prédio do Cine Paramount. Porém, a temática urbana foi documentada neste filme com uma outra forma de olhar a metrópole, registrada através de movimentos de câmera, enquadramentos e montagem inspirados na vanguarda européia.

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