Todos os filmes que existem são documentários. Na verdade podemos dizer que existem 2 tipos de filmes: documentários de satisfação de desejos e documentários de representação social. Cada tipo conta uma história, mas essas histórias, ou narrativas, são de espécies diferentes.
Os documentários de satisfação de desejos são o que normalmente chamamos de ficção. Estes filmes expressam de forma tangível os nossos desejos e sonhos, os nossos pesadelos e terrores. Expressam tudo aquilo que desejamos, ou tememos, que a realidade seja ou possa vir a ser. Os documentários de representação social são o que normalmente chamamos de não-ficção. Estes filmes representam de forma tangível aspectos de um mundo que já ocupamos e compartilhamos. Expressam a nossa compreensão sobre o que a realidade foi, é e o que poderá vir a ser.
Como histórias verdadeiras, pedem que acreditemos nelas. A interpretação é uma questão de compreender como a forma ou organização do filme transmite significados e valores. A crença depende de como reagimos a esses significados e valores.
A crença é encorajada nos documentários, já que eles frequentemente visam exercer um impacto no mundo histórico e, para isso, precisam nos persuadir ou convencer de que um ponto de vista é preferível a outros. Do documentário, não tiramos apenas prazer, mas também uma direcção.
É esse o encanto e o poder de documentário. Os documentários dão-nos a capacidade de ver questões oportunas que necessitam de atenção. Vemos visões fílmicas do mundo. Essas visões colocam diante de nós questões sociais e actualidades, problemas recorrentes e soluções possíveis. O vínculo entre o documentário e o mundo histórico é forte e profundo.
Os documentários mostram aspectos ou representações auditivas e visuais de uma parte do mundo histórico. Eles representam os pontos de vista de indivíduos, grupos e instituições. Também fazem representações, elaboram argumentos tentando convencer-nos a aceitar as suas opiniões. A ideia de representação é fundamental para o documentário.
O conceito de representação é aquilo que nos leva a formular a pergunta “porque as questões éticas são fundamentais para o cinema documentário?”. Nos filmes de ficção, a resposta é simples: pedimos que façam o que queremos. O actor é valorizado pela qualidade da sua actuação, não pela fidelidade ao seu comportamento ou personalidade habitual. No caso da não-ficção, a resposta não é assim tão simples. As pessoas são tratadas como actores sociais. Continuam a levar a vida mais ou menos como fariam sema a presença da câmera. Continuam a ser actores culturais e não artistas teatrais. O seu valor para o cineasta consiste não no que promete uma relação contratual, mas no que a própria vida dessas pessoas incorpora.
O grau de mudança de comportamento e personalidade das pessoas, durante a filmagem, pode introduzir um elemento de ficção no processo do documentário. Inibição e modificações do comportamento podem tornar-se numa forma de deturpação, num sentido, mas também documentam como o acto de filmar altera a realidade que se pretende representar.
A maioria de nós acha que um convite para actuar num filme é uma oportunidade desejável e invejável. Mas e se o convite não for para actuarmos num filme mas sim para sermos nós mesmos? O que pensarão os outros de nós? Como nos julgarão? Estas perguntas têm várias respostas e são um tipo diferente das propostas pela maioria das ficções.
A ética existe para regular a conduta dos grupos nos assuntos em que regras inflexíveis ou leis não bastam. A ética torna-se uma medida de como as negociações sobre a natureza da relação entre o cineasta e o seu tema têm consequências tanto para aqueles que estão representados no filme como para os espectadores. Os cineastas que têm a intenção de representar pessoas que não conhecem, mas que tipificam ou detêm um conhecimento especial de um problema ou assunto de interesse, correm o risco de explorá-las. Os cineastas que escolhem trabalhar com pessoas já conhecidas enfrentam o desafio de representar de maneira responsável os pontos comuns, mesmo que isso signifique sacrificar a própria opinião em favor da dos outros.
Um teste decisivo comum a todas essas questões éticas é o princípio do “consentimento
informado”. Esse princípio, fortemente presente na antropologia, na sociologia e noutros ca
mpos, afirma que se deve falar aos participantes de um estudo das possíveis consequências da sua participação.
Levando em consideração que a maioria dos cineastas age como representante das pessoas que são filmadas e não como membro da comunidade, frequentemente surgem tensões entre o desejo do cineasta em fazer um filme marcante e o desejo dos indivíduos de terem respeitado os seus direitos sociais e sua dignidade pessoal.
As questões éticas surgem frequentemente quando se trata da pergunta “no documentário, como devemos tratar as pessoas que filmamos?”, em razão do grau de separação entre o cineasta e as pessoas que ele filma. Os cineastas pertencem a organizações e instituições com seus próprios padrões e costumes. Mesmo os cineastas independentes geralmente se vêem como artistas profissionais, que seguem uma carreira mais do que se dedicam a representar os interesses de um grupo. O conflito é inevitável nessas condições. Respeito ético passa a ser parte fundamental da formação profissional do documentarista.
Alianças muito diferentes podem tomar a forma na interacção tripolar de cineasta, temas ou actores sociais e público ou espectadores. Um modo conveniente de pensar nessa interacção consiste na formulação verbal dessa relação tripolar. A mais clássica é: “Eu falo deles para você.”
O cineasta assume uma pessoa individual, directamente ou usando um substituto. Um substituto típico é o narrador com voz de Deus, que ouvimos em voz-over, mas a quem não vemos. Surgiu na década de 1930 como forma de descrever uma situação, apresentar um argumento ou evocar um tom ou estado de ânimo poético.
Outra possibilidade é o próprio cineasta falar, diante da câmera, em voz-over, quando pode ser ouvido, mas não visto. Neste caso o cineasta torna-se uma personagem no seu próprio filme, além de ser o criador.
Falar na primeira pessoa aproxima o documentário do diário, do ensaio e de aspectos do filme e do vídeo experimental ou de vanguarda. A ideia de falar sobre um tópico ou assunto, uma pessoa ou indivíduo, empresta um ar de importância cívica a esse trabalho. Falar de alguma coisa pode incluir a narração de uma história, a criação de um estado de ânimo poético ou a construção de uma narrativa.
O cineasta fala e o público vê. O documentário, assim, pertence a um discurso ou estrutura institucional. Pessoas com um conhecimento especializado, os documentaristas, dirigem-se a nós como membros de um público geral ou como algum elemento específico dele. Os cineastas têm de encontrar um modo de activar a percepção de nós mesmos, tanto como aqueles para quem o cineasta fala quanto como membros de um grupo ou colectividade, um público para o qual o assunto tem importância. A forma normal de fazer isso é recorrendo a técnicas de retórica. A retórica é a forma de discurso usada para persuadir ou convencer os outros de um assunto para o qual não existe solução ou resposta definida.
A retórica difere do raciocínio utilizado para chegar a uma demonstração matemática ou a uma conclusão científica. A retórica difere do discurso poético ou narrativo que visa menos de nos convencer de uma questão social do que nos oferecer uma experiência estética ou o envolvimento num mundo imaginário. Ainda assim, a retórica pode facilmente usar a poética, a narrativa ou os elementos lógicos. No entanto, esses elementos são utilizados para nos convencer de um assunto para o qual é possível mais de um ponto de vista ou conclusão.
Será que podemos estabelecer normas para a prática da ética num documentário?
ResponderEliminarEsta não é uma questão meramente retórica.
Que obrigação é que o cineasta tem para evitar distorção, deturpação, a coacção ou a traição, seja ela aberta ou extremamente subtil, mesmo que tais actos parecem servir um objectivo mais elevado, como "começar a história contada" ou "expor a injustiça"? Será que o cineasta tem de assegurar que as técnicas de persuasão não vão distorcer os factos apurados, as regras da prova e os princípios do debate?
O documentário é uma arte expressiva. Como o orador da antiguidade, a preocupação documentarista é favorável para ganhar uma audiência, não fornecem um "dispositivo de transferência de informação", ou simplesmente entreter. O recurso à retórica não é surpreendente, mas isso está longe de ser uma desculpa para abandonar a ética.
Retórica é a ferramenta indispensável para abordar todas aquelas questões que não têm a certeza da ciência. Cada sociedade e cada pessoa responde a perguntas de diversas formas. Cada orador procura de meios para explorar essas questões e propor respostas a uma classe distinta.
O que isso significa na prática? Um código de ética no documentário deve centrar-se sobre a protecção do bem-estar dos indivíduos, tanto de cinema e espectadores reais.
Em cada caso, um código de ética tem de dar primazia ao respeito dos temas e espectadores como seres humanos autónomos cuja relação com o cineasta não está limitado apenas por um contrato formal de relacionamento.
Tudo se resume a questões de confiança - uma qualidade que não pode ser legislada, proposta ou prometida em abstracto. Um código de ética atinge além do que uma obrigação contratual.
Um código de ética da prática documental permite-nos abordar o desequilíbrio de poder que muitas vezes surge entre cineastas e seus temas e suas audiências.
A história do documentário está cheia de debates de temas que possam violar ou enganar o público. Houve um notório aumento dos ataques dos defensores de um estilo estritamente observatório, sobre aqueles que defendem abertamente de um estilo mais participativo - representada por, digamos, Ricky Leacock como observador e Jean Rouch, como participante.
Da mesma forma, os debates sobre se os realizadores de cinema que noutras culturas procuraram usar temas para representar qualidades genéricas que podem criar estereótipos estava longe de ser distorcido tal como se vê no filme, que a professora apresentou na aula, Nanook de Robert Flaherty.
Um documentário procura evocar sentimentos, alterar ou reforçar os compromissos e propor acções que são movidos por convicções comuns. Estas crenças derivam do que é, às vezes, chamado de coração ou emoção e a sua origem permanece um mistério para além da razão.
A ética de um documentário aproxima-se de um nível fundamental, quando se aborda a necessidade de respeitar a dignidade e integridade dos “actores” e dos espectadores, bem como reconhecer que estão em causa uma luta pelo poder e o direito de representar uma perspectiva distinta.
O que deve ser feito é uma questão a ser respondida no momento em particular, utilizando as directrizes básicas em vez de regras. A arte remete para as regras, tal como a ética do documentário.
Atenção na formatação da foto no início do post. Atenção para a extensão do post. Cada post deve ter 500 palavras no máximo, portanto este post tem que ser dividido em partes.
ResponderEliminarBom conteúdo, o comentário complementa o post. Deve ainda fazer um comentário a outro texto como elemento de avaliação.