quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Resumo: A voz do documentário (parte 1)

por Bill Nichols

Tal como as histórias, as estratégias e estilos usados em cada documentário mudam; facto que se deve aos diversos debates ideológicos e discursos expositivos que podem ter, dependendo do autor (realizador), apesar do objectivo ser sempre «representar “as coisas como elas são”».

Destacam-se quatro principais estilos de documentário e, neste artigo, «proponho examinar as limitações e as vantagens» de cada um. O estilo griersoniano [de John Grierson, da Escola Britânica de Documentários] foi a primeira forma acabada de documentário. Também conhecido pelo estilo “voz-de-Deus”, pela arrogância que comummente acarretava, caiu em desuso nos documentários após a Segunda Guerra Mundial, tendo sobrevivido em televisão.

Depois, temos o estilo “cinema directo”, que traz o “efeito verdade” dado o facto da sua fidelidade ao real na captura das imagens, do qual se destacam autores como Jean Rouch e Chris Marker, entre outros. Estes autores aproveitaram especialmente os avanços tecnológicos das câmaras portáteis e gravadores de som. O objectivo era claramente deixar o espectador tirar as suas próprias conclusões, sem qualquer auxílio de «nenhum comentário, implícito ou explícito».

O terceiro estilo surge nos anos 1970 e traz como novidade a incorporação do discurso directo, geralmente em forma de entrevistas.

Recentemente, um novo estilo emerge. O quarto e último refere-se a um «documentário auto-reflexivo que mistura passagens observacionais com entrevistas, a voz sobreposta do director com intertítulos» que não escondem o que está implícito: «o documentário sempre foi uma forma de re-presentação, e nunca uma janela aberta para a “realiade”», sendo impossível dissociá-lo da opinião do autor.

Posto isto, a noção de “voz” do documentário restringe-se àquilo que nos transmite determinado ponto de vista, o modo como o material apresentado está organizado ou realizado para que a nossa visão individual e pessoal do mesmo seja autorizada. Muitos cineastas, porém, recusam esta versão, dando preferência à observação fiel do real e defendendo que «o filme cria uma representação objectiva da realidade», como contadores de histórias verosímeis. É, por isso, imprescindível que o documentarista tenha a consciência do seu trabalho e do seu impacto, o qual pode condicionar a opinião do espectador.

Mas o «cinema directo», o documentário baseado em entrevistas, tem também limitações: no filme Soldier Girls [Nick Broomfield e Joan Churchill, 1981], por exemplo, onde é abordado o tratamento militar voluntário de mulheres, a perspectiva pessoal é privilegiada em detrimento da política, o que afasta, de certo modo, a imparcialidade, ainda que subtilmente. Já o documentário observacional «parece deixar essa decisão por nossa conta»: cabe ao espectador a interpretação.

Nesse filme, cinco mulheres dão a palavra e os seus testemunhos lembram um passado que as imagens do documentário vão reconstruindo, «mas em contraponto: suas lembranças de adversidade e luta contrastam com os velhos cinejornais que retratavam as mulheres felizes em “fazer a sua parte”. […] As entrevistas tornam a autoridade difusa» pois demonstram-nos dúvidas e emoções, o que causa um efeito bastante diferente e peculiar no espectador. Os documentários mais recentes, contudo, conservam a ideia de que há uma distância entre a voz dos entrevistados e a voz do discurso do documentário. Facto que se torna evidente «quando os entrevistados revelam uma inadequação conceitual em relação à questão, mas não são contestados pelo filme.»

Emile de Antonio, cineasta pioneiro na utilização de entrevistas em documentários, recusa a existência de um narrador nos seus filmes, exibindo apenas o discurso directo das testemunhas. De Antonio, porém, contesta as afirmações dos seus entrevistados, interagindo com eles, mas sem se dirigir directamente ao espectador. A voz de De Antonio causa uma espécie de efeito de “auto-conflito” entre os entrevistados, que se vêem, naquele momento, a braços com novos pontos de vista que lhes obrigam a um desembaraço no momento. Esta fórmula de abordar o documentário de entrevistas que conta já com vários seguidores, é posta em prática, por exemplo, no filme In the Year of the Pig [Emile de Antonio, 1969], onde se tem a sensação de que nenhum dos entrevistados fala a verdade. Ao assistirmos a isto, as noções de que nem tudo é verdade e de que nem todos podem ter o nosso crédito, cumprimos o principal objectivo do documentário: dar uma voz própria e imparcial do mundo, ou daquele caso, em concreto. «[…] A voz retórica de De Antonio nos seduz ao incorporar qualidades, tais como percepção, ceticismo, discernimento e independência […]».



Continua aqui.

2 comentários:

  1. Este post sobre o texto A Voz do Documentário de Bill Nichols, é um texto muito interessante por nos falar em alguns tipos diferenciados de documentários, nos fazer referência a alguns nomes importantes quer de realizadores de documentários, quer de títulos de documentários; e nos dar a noção de quais são, ou pelo menos tentam ser os objectivos dos documentários.
    Em relação aos objectivos dos documentários, tal como nos diz o texto é o de representar o mais fielmente possível a realidade como ela é, mas há que ter em conta que por mais que um comentário nos queira passar essa ideia de realidade, um documentário não consegue nos passar a 100% as coisas tais quais como ela são, embora se assemelhe bastantes nas imagens que capta.
    Fala-se muitas vezes nas noções de “cinema directo” e “documentário auto-reflexivo”, acerca destas noções no texto é referido os nomes dos grandes autores Jean Rouch que é considerado o grande pai do cinema do documentário, sendo por isso uma figura bastante importante no mundo do documentário; e é feita também referência a Chris Marker.
    Também acho importante a referência ao realizador John Grierson, pois foi muito importante pelo facto de ter criado a escola britânica de documentarismo, sendo que os seus documentários tinham dois tipos de caracteres, sendo eles: o carácter educativo e o carácter de propaganda. Ele preocupa-se também com a criação da narrativa no documentário, sendo que ele escreveu também o famoso livro On Documentary onde ele apresenta os primeiros princípios básicos do documentarismo. (Estas informações acerca de John Grierson foram informações que vimos numa das aulas da unidade curricular de Documentarismo e Antropologia Visual).
    Acho importante também o facto de aqui, neste texto, serem feitas referências às técnicas utilizadas para a representação do real nos documentários que segundo os teóricos, são as seguintes: a captura de imagens do real (que deverá ser o mais fiel possível); a mistura das imagens observadas com as entrevistas feitas à pessoas; e os documentários deverão nos mostrar dúvidas e emoções.
    Por tanto estes serão o factores que o realizador de verá ter em cinta e que deverão estar presentes nas realizações dos documentários, que pretendam mostrar a realidade. Penso que todos estes aspectos estão bem desenvolvidos e bem explicados neste texto, texto este que servirá como uma espécie de guia para qualquer realizador de documentário.
    Por último outro aspecto que refiro o qual acho muito importante, é o papel do realizador face ao espectador, que é um papel bastante importante porque o seu trabalho (do realizador / documentarista) pode ter um grande impacto face á apreciação do espectador e face à opinião que o espectador tenha acerca daquela situação que está a ser mostrada no documentário, e isso de facto é um ponto fundamental. Por exemplo o espectador pode ter uma determinada opinião sobre um certo assunto, mas se ver um documentário sobre esse mesmo assunto, dependendo da maneira como o realizador o retrata nesse documentário (do impacto com que o retrata), a opinião do espectador pode mudar por completo.
    Por ultimo termino dizendo que hoje em dia um realidade é a de que apesar de muitas as técnicas de entrevista não serem as melhores, ainda hoje acabam por ser muitíssimas vezes utilizadas, pois podemos verificar o facto de quase todos os documentários hoje em dia terem esta componente presente na sua elaboração.
    É um texto muito interessante, cujo post acabou também por ficar muitíssimo bem estruturado. E é um texto que eu aconselho pois dá imensas informações e dicas não só para os realizadores de documentário como também para os curiosos deste tema.

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  2. Bom resumo e bom comentário. Atenção que a palavra carácter não é muito frequentemente usada no plural no sentido em que está no texto do comentário. Deve ser feita a correcção para não desmerecer as ideias do texto.

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